Capítulo I
Necessidade da devoção à
Santíssima Virgem
Artigo I
Princípios
Primeiro Princípio – Deus quis servir-se de Maria
na Encarnação.
16. Deus Pai só
deu ao mundo seu Unigénito por Maria. Suspiraram os patriarcas, e pedidos insistentes
fizeram os profetas e os santos da lei antiga, durante quatro milénios, mas só Maria
o mereceu, e alcançou graça diante de Deus[1], pela força de suas orações e pela sublimidade
de suas virtudes. Porque o mundo era indigno, diz Santo Agostinho, de receber o
Filho de Deus diretamente das mãos do Pai, ele o deu a Maria a fim de que o
mundo o recebesse por meio dela.
Em Maria e por
Maria é que o Filho de Deus se fez homem para nossa salvação.
Deus Espírito
Santo formou Jesus Cristo em Maria, mas só depois de lhe ter pedido
consentimento por intermédio de um dos primeiros ministros da corte celestial.
17. Deus Pai
transmitiu a Maria sua fecundidade, na medida em que a podia receber uma simples
criatura, para que ela pudesse produzir o seu Filho e todos os membros de seu Corpo
Místico.
18. Deus Filho
desceu ao seu seio virginal, qual novo Adão no paraíso terrestre, para aí ter suas
complacências e operar em segredo maravilhas de graça. Deus, feito homem, encontrou
sua liberdade em se ver aprisionado no seio da Virgem Mãe; patenteou a sua força
em se deixar levar por esta Virgem santa; achou sua glória e a de seu Pai,
escondendo seus esplendores a todas as criaturas deste mundo, para revelá-las
somente a Maria; glorificou sua independência e majestade, dependendo desta
Virgem amável, em sua conceição, em seu nascimento, em sua apresentação no
templo, em seus trinta anos de vida oculta, até à morte, a que ela devia
assistir, para fazerem ambos um mesmo sacrifício e para que ele fosse imolado
ao Pai eterno com o consentimento de sua Mãe, como outrora Isaac, como o
consentimento de Abraão à vontade de Deus. Foi ela quem o amamentou, nutriu, sustentou,
criou e sacrificou por nós.
Ó admirável e
incompreensível dependência de um Deus, de que nos foi dado conhecer o preço e
a glória infinita, pois o Espírito Santo não a pôde passar em silêncio no
Evangelho, como incógnitas nos ficaram quase todas as coisas maravilhosas que
fez a Sabedoria encarnada durante sua vida oculta. Jesus Cristo deu mais glória
a Deus, submetendo-se a Maria durante trinta anos, do que se tivesse convertido
toda a terra pela realização dos mais estupendos milagres. Oh! quão altamente
glorificamos a Deus, quando, para lhe agradar, nos submetemos a Maria, a
exemplo de Jesus Cristo, nosso único modelo.
19. Se
examinarmos atentamente o resto da vida de Jesus, veremos que foi por Maria que
ele quis começar seus milagres. Pela palavra de Maria ele santificou São João
no seio de Santa Isabel; assim que as palavras brotaram dos lábios de Maria,
João ficou santificado, e foi este seu primeiro e maior milagre de graça. Foi
ao humilde pedido de Maria, que ele, nas núpcias de Caná, mudou água em vinho,
sendo este seu primeiro milagre sobre a natureza. Ele começou e continuou seus
milagres por Maria, e por Maria os continuará até ao fim dos séculos.
20. O Espírito
Santo, que era estéril em Deus, isto é, não produzia outra pessoa divina, tornou-se
fecundo em Maria. É com ela, nela e dela que ele produziu sua obra-prima, de um
Deus feito homem, e que produz todos os dias, até ao fim do mundo, os
predestinados e os membros do corpo deste Chefe adorável. Eis por que, quanto
mais, em uma alma, ele encontra Maria, sua querida e inseparável esposa[2], mais operante e poderoso se torna para produzir
Jesus Cristo n essa alma, e essa alma em Jesus Cristo.
21. Não se quer
dizer com isto que a Santíssima Virgem dê a fecundidade ao Espírito Santo, como
se ele não a tivesse. Sendo Deus, ele possui a fecundidade ou a capacidade de produzir,
como o Pai e o Filho. Não a reduz, porém, a acção, e não gera outra pessoa
divina. O que se quer dizer é que o Espírito Santo, por intermédio da Virgem,
da qual se quis servir, se bem que não lhe fosse absolutamente necessário,
reduziu ao ato a sua fecundidade, produzindo, nela e por ela, Jesus Cristo e
seus membros. É um mistério da graça inacessível até aos mais sábios e
espirituais dentre os cristãos.
S. Luis Maria
Grignion de Montfort: Tratado da verdadeira devoção a Maria (14-21).