sábado, 20 de setembro de 2008

SANTA MARIA MÃE DE DEUS

Tornando-se homem, Cristo renova o homem.

Para venerar na verdade e cultuar com piedade o mistério da festa de hoje, é preciso, irmãos muito amados, não cometer erro algum a respeito da Encarnação do Senhor, nem admitir qualquer opinião indigna de sua divindade: há um perigo semelhante tanto em não reconhecer nele a verdade de nossa natureza, quanto em negar a igualdade de sua glória com a de seu Pai. Assim, quando nos aproximamos do mistério do nascimento de Cristo, no qual ele nasceu da Virgem Mãe, afastemos para bem longe de nós a escuridão dos raciocínios terrenos, e que a fumaça a sabedoria mundana se retire dos nossos olhos iluminados pela fé. Pois divina é a autoridade em que cremos, divina é a doutrina que seguimos.
Quer voltemos nosso ouvido interior para o testemunho da Lei, quer para os oráculos dos profetas ou para a proclamação do Evangelho, é sempre verdadeira a palavra que São João proferiu, cheio do Espírito Santo: No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus (Jo 1, 1). E é igualmente verdade o que acrescenta o mesmo evangelista: O Verbo se fez carne e habitou entre nós; e nós vimos a sua glória, glória que ele tem junto do Pai como Filho único (Jo 1, 14). Em ambas as naturezas o Filho de Deus permanece ele mesmo, assumindo a nossa natureza sem perder a sua própria; tornando-se homem, renova o homem, permanecendo imutável em si mesmo.
A divindade, que ele tem em comum com o Pai, nada perdeu de seu poder supremo, nem a forma de servo violou a forma de Deus, porque a essência soberana e eterna, que se inclinou sobe o género humano para salvá-lo, nos transportou para a sua glória sem deixar de ser o que era. Assim, quando o Filho de Deus ora se reconhece inferior ao Pai, ora se diz igual a ele, indica que verdadeiramente reúne em si as duas naturezas: a inferioridade prova a natureza humana, a igualdade declara a natureza divina.
Por conseguinte, o nascimento do Filho de Deus na carne não lhe tirou nem acrescentou nada, pois a essência imutável não pode nem diminuir nem aumentar. O Verbo se fez carne não significa que a natureza divina se tenha mudado em carne, mas que a carne foi assumida pelo Verbo em unidade de pessoas. O termo “carne” exprime aqui o homem na sua totalidade, ao qual o Filho de Deus se uniu nas entranhas da Virgem fecundada pelo Espírito Santo e nunca destituída de sua virgindade. Essa união foi tão íntima que o que tinha sido gerado da essência do Pai fora do tempo é o mesmo que nasce, no tempo, do seio da Virgem. Não poderíamos ter sido libertos dos laços da morte eterna, caso não se tivesse humilhado na nossa condição aquele que permanecia todo poderoso na sua.


São Leão Magno, papa: Sermões
Sermo 7 in Nativitate Domini, 1-2
(Sources Chrétiennes 22, 136-138)

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